Meus pais se separaram em 1990, aos quase 31 anos de vida de minha mãe. À época, ela não havia terminado seu segundo grau pois casara aos 17 anos e aos 21 já era mãe de 3 filhas. Recuperando-se do término de seu casamento, que imaginara que seria até o fim de sua vida, com três pré-adolescentes, decidiu voltar a sentar nos bancos da escola. Fez seu magistério, formou-se em pedagogia pela UFMS e, desde então nunca mais parou de estudar, de se especializar. Curiosa, interessada no aprendizado, ingressou no ramo da educação de crianças portadoras de necessidades especiais, especificamente àquelas que possuem algum tipo de retardo mental.
Cumulou ao longo de anos brinquedos, recursos, livros, filmes, bonecos, tudo que pudesse ser capaz de desenvolver o raciocínio, a curiosidade, a cultura, o entendimento, o desenvolvimento de seus alunos especiais. Fez provas, passou em concursos, preencheu todos, TODOS OS REQUISITOS necessários para estar à frente de uma “Sala de Recursos”, local que estes alunos possuem, dentro do ensino público, como uma atividade extra que lhes possa oferecer algum tipo de suporte direcionado às suas necessidades de aprendizado.
Ano a ano, convocação a convocação, foi empreendendo seus métodos, estudando caso a caso, formando laços afetivos e até familiares com seus alunos, inclusive envolvendo à nós, filhas, em sua atuação, de modo amistoso, com muito carinho e amor. “...Mas a vida, essa sim é uma caixinha de surpresas...” lhe impôs dificuldades, dificuldades estas das quais não deveria nunca ter passado. Aqueles que deveriam ter o dever legal, moral e funcional de lhe oferecer suporte, orientação, apoio, foram os primeiros (e únicos diga de passagem) à lhe subjulgar, submeter, menosprezar e torturar-lhe psicologicamente no âmbito do trabalho, trazendo-lhe sofrimento, de tal forma, que causou-lhe depressão, inclusive com afastamento do trabalho que tanto ama executar. Afastamento este devidamente atestado por médico competente e confirmado por mais de uma vez por Junta Médica designada pelo município no qual labora.
Sentindo-se abandonar seus alunos mais que especiais, esforçou-se ao retorno de suas atividades, quando neste ínterim, descobriu estar com outra doença tão devastadora quanto à anterior, câncer. Chorou, deprimiu-se mais, momentos de auto-piedade completamente compreensivos e..., sacudiu a poeira, correu atrás do lucro (e não do prejuízo, em respeito ao bom português), foi e está em busca de seu tratamento.
Licença médica vigente, sempre compareceu na escola onde possui sua sala de recursos, que tanto ama, inclusive tentou o retorno, tendo ido trabalhar alguns dias no segundo semestre do corrente ano. “...Mas a vida, essa sim é uma caixinha de surpresas...” e ao chegar na sua sala, encontrou outra profissional em seu lugar, pensando ser esta uma substituta, estava equivocada, estava demitida, desamparada pela precariedade de seu contrato que não fora renovado, sem qualquer prévia, sem qualquer aviso. Constrangedor, embaraçoso, humilhante! Mais ainda ao saber que aquela que lá se encontra não possui qualquer especialidade, tampouco preenche os requisitos legais e administrativo para ali estar.
E sabem qual a razão destes acontecimentos? Porque minha mãe não é uma boa profissional? Porque ela estaria usando sua saúde como motivo para não trabalhar? NÃO! Por um motivo muito simples e aliás muito característico de nossa família Azevedo: porque ela não sabe bajular, porque ela não toma um bom vinho com a turma do “pode tudo” nos fins de semana frios, porque ela não participa dos “five o’clock tea”, porque ela não é a queridinha daquela que possui o poder de decisão. É justo?
E o que lhe sobra? Depressão por tanta tortura psicológica (“se você não fizer isso...aquilo...ou pedir licença médica...” não renovaremos seu contrato), um câncer que aliás, será somente mais uma de suas provações da vida para seu desenvolvimento espiritual, pois ela o irá transcender, e dívidas pela perda salarial considerável e claro, não poderia deixar de ser, no momento, na hora, que ela mais precisava de profissionalismo, respeito à sua integridade e empenhos profissionais e não obstante, RESPEITO À LEI dos homens e de Deus! Quanto à este último, fiquem tranqüilos, pois será cumprido, mais cedo E mais tarde RESPECTIVAMENTE!
AMO VOCÊ MÃE! TE ADMIRO MUITO E FIQUE TRANQUILA, MARIA TERÁ SUA VOZINHA AINDA POR MUUUUUUITOS ANOS!
Parabéns pelo texto belíssimo, comovente, inspirador e que promove tantas reflexões sobre a administração -nesse caso, má administração- dos órgãos públicos...
ResponderExcluirFiquei muito emocionada..
Te amo de paixão.. falei com sua mãe hoje.
Beijo da sua mãe querida
Nete